terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Oração do liturgo

Ó Pai, cuja beleza infinita é sinalizada na Liturgia, que a arte de celebrar retamente garanta a participação plena, ativa e frutuosa de Vosso povo.

Leve-nos a reconhecer que pela liturgia, obra em favor do povo, tomamos parte na obra divina, que continua em Sua Igreja, com Ela e por Ela, a obra de nossa redenção.

A Liturgia seja a fonte donde haurimos forças e ápice para qual tende nossa vida e missão de Igreja. A Liturgia seja fonte pura e perene de “água viva” à qual todo sedento pode haurir gratuitamente o dom de Deus.

Participando desta forma plena, ativa e frutuosa dos sagrados mistérios, toda a existência cristã se torne “sacrifício vivo, santo e agradável a Deus”, autêntico “culto espiritual”.

Tudo isto Vos pedimos por Jesus Cristo, na unidade do Espírito Santo, que convosco doa a Sagrada Liturgia. Amém.

Comentário à oração

Esta oração foi formulada com base nos principais documentos do Magistério da Igreja sobre o tema da liturgia, em especial a “Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium sobre a Sagrada Liturgia”, de 1963. Foi o primeiro documento promulgado do Concílio Vaticano II. Por esta Constituição ficou determinada a reforma litúrgica.

Na Sacrosanctum Concilium se explica o sentido e a importância da Liturgia na vida da Igreja, tema que trataremos adiante neste comentário.

Primeiramente, o termo liturgo: é todo aquele que desempenha um serviço na liturgia[1]. O termo liturgista é usado para designar aquele que é versado em liturgia.

“Ó Pai”: na Liturgia, toda oração é dirigida ao Pai, “princípio de toda divindade” (S. Agostinho). O próprio Filho, Jesus, assim o fazia, e isso foi justamente o motivo de sua Encarnação: revelar o Pai. A oração termina mencionando o Filho, que é o Mediador entre Deus[2] e os homens, e o Espírito Santo que é a união de Amor entre o Pai e o Filho.

“cuja beleza infinita é sinalizada na Liturgia”: “nela culmina toda a ação pela qual Deus, em Cristo, santifica o mundo, bem como todo o culto pelo qual os homens, por meio de Cristo, Filho de Deus, no Espírito Santo, prestam adoração ao Pai” (IGMR 16).

“que a arte de celebrar retamente garanta a participação plena, ativa e frutuosa”: “Para assegurar esta eficácia plena, é necessário, porém, que os fiéis celebrem a Liturgia com retidão de espírito, unam a sua mente às palavras que pronunciam[...]. Não só se observem, na ação litúrgica, as leis que regulam a celebração válida e lícita, mas também que os fiéis participem nela consciente, ativa e frutuosamente” (SC 11).

“liturgia, obra em favor do povo”: Esta é a definição de liturgia, uma obra pública pela qual Deus é quem age em favor do povo que acolhe.

“fonte donde haurimos forças e ápice para qual tende nossa vida e missão de Igreja”: “Na verdade, o trabalho apostólico ordena-se a conseguir que todos os que se tornaram filhos de Deus pela fé e pelo Batismo se reúnam em assembléia para louvar a Deus no meio da Igreja, participem no Sacrifício e comam a Ceia do Senhor” (SC 10).



[1] Cf. o artigo do Frei José Ariovaldo da Silva, OFM: “Liturgia” nos escritos do Apóstolo Paulo. Em: http://www.itf.org.br/index.php?pg=anopaliturgia

[2] “Deus” na liturgia e na bíblia se refere ao Pai. O Filho é igualmente Deus com o Pai e igualmente o Espírito Santo.

domingo, 16 de novembro de 2008

Cristo, Rei e Juiz do Universo, Senhor da História

A Celebração que encerra o ano litúrgico apresenta a consumação do Reino de Deus: o Filho, Bom Pastor, reunirá os homens de todas as nações e de todos os tempos a fim de revelar suas obras. Quem vive pelo irmão, e em obediência e despojamento tal como Jesus, que venceu e foi exaltado justamente por ter obedecido humildemente ao Pai até a morte, esse participará da mesma glória do Filho, à direita do Pai, no Reino definitivo, preparado desde todos os tempos para ser a consumação da História.

Nesse sentido, o Reino não está presente em sua plenitude neste mundo. Isto não nos permite descuidar de sua construção. Ele é preparado neste mundo pelo amor desinteressado principalmente ao menor dos irmãos, imagem do Cristo humilde, que não busca poder terreno, mas espera que o Pai cumpra toda a justiça. De fato, a fé no Juízo Final é esperança para os cristãos que confiam no Rei e Juiz Misericordioso, e sabem que a injustiça do mundo não pode ser a última palavra sobre a História.

sábado, 18 de outubro de 2008

A Doutrina da justificação

Sobre a DECLARAÇÃO CONJUNTA SOBRE A DOUTRINA DA JUSTIFICAÇÃO ENTRE A IGREJA CATÓLICA E A FEDERAÇÃO LUTERANA MUNDIAL (31 de Outubro de 1999). Disponível em: http://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/chrstuni/documents/rc_pc_chrstuni_doc_31101999_cath-luth-joint-declaration_po.html.

A Declaração conjunta católico-luterana é um resumo dos resultados dos diálogos sobre a justificação ocorridos ao longo do século XX. Representa o que há de comum na compreensão da justificação pela graça de Deus na fé em Cristo, baseado principalmente na Sagrada Escritura.

Já no Antigo Testamento aparece o tema do pecado e da desobediência e da justiça de Deus. O Novo Testamento trata da justificação como o dom da salvação, libertação, reconciliação e paz com Deus e vida nova em Cristo. A justificação é dom de Deus recebido mediante a fé e que se desenvolve mediante as obras.

A concordância católico-luterana abarca um consenso nas verdades básicas e em desdobramentos distintos.

É fé comum que a justificação é obra do Deus uno e trino e que o Filho, por sua encarnação, morte e ressurreição, é a nossa justiça. Somente por graça, na fé na obra salvífica de Cristo, somos justificados e assim capacitados e chamados para as boas obras.

Fé comum

Desdobramento católico

Desdobramento luterano

O ser humano depende completamente da graça salvadora de Deus.

Por efeito da graça, o ser humano coopera no preparo e na aceitação da justificação.

O ser humano é incapaz de cooperar em sua salvação, porque como pecador ele resiste a Deus.

Deus perdoa, por graça, o pecado.

Ao crente é presenteada a renovação da pessoa interior pelo recebimento da graça.

A vida do pecador é renovada somente em união com Cristo e a justificação é livre de cooperação humana e independente da renovação de vida.

O pecador é justificado pela fé. Essa fé atua pelo amor.

O ser humano é justificado pela fé, através do batismo. Recebe de Cristo a fé, esperança e amor, que permanecem dependentes da graça.

Deus justifica o pecador somente na fé. A renovação da conduta de vida é distinta mas não separada da justificação.

A pessoa justificada permanece dependente da graça de Deus, chamada constantemente à conversão.

A graça apaga todo pecado, mas permanece a concupiscência, que não é um pecado mas inclinação. A pessoa pode se separar voluntariamente de Deus, necessitando do perdão pelo sacramento da reconciliação.

O cristão é ao mesmo tempo justo e pecador, mas após a justificação não está mais separada de Deus.

O ser humano é justificado na fé no evangelho independentemente de obras da lei.

A pessoa justificada é obrigada a observar os mandamentos de Deus.

A lei é exigência e acusação; põe a descoberto o pecado para que a pessoa se volte para a misericórdia de Deus em Cristo.

Os crentes podem confiar na misericórdia de Deus e ter a certeza da graça.

Não duvidar da misericórdia de Deus, mas se preocupar com a salvação, por causa das fraquezas e insuficiências.

Confiar somente em Cristo e ter a certeza de sua salvação.

As boas obras são frutos da justificação.

As boas obras contribuem para o crescimento na graça; a justiça é conservada e a comunhão com Cristo aprofundada. Essas obras terão recompensa no Céu.

A participação na justiça de Cristo sempre é perfeita, mas seu efeito pode crescer. A vida eterna é galardão imerecido.

Existe, pois, um consenso nas verdades básicas. As diferenças permanecem na terminologia, na articulação teológica e na ênfase da compreensão. Alguns dos desdobramentos são excludentes entre si, apesar de não serem contrários à verdade básica explicitada nesta declaração, que, no geral, não resolve as diferenças, mas acentua as semelhanças, por mínimas que sejam.

sábado, 9 de agosto de 2008

Bíblia, Palavra de Deus e Igreja

A Bíblia é a Palavra de Deus! – canta-se em nossas igrejas. Mas deveríamos entender: a bíblia (mas não só ela) manifesta a Palavra de Deus.
O homem pode, somente com sua razão natural, chegar a reconhecer Deus. De fato, muitos filósofos admitiram a necessidade e existência de um ser absoluto, eterno, causa e fim de tudo que existe. Mas uma compreensão mais fácil e sem erro desse Ser se dá somente com sua auto-revelação. Depois de ter falado muitas vezes e de muitos modos pelos profetas, falou-nos Deus nestes nossos dias, que são os últimos, através de Seu Filho (Heb. 1, 1-2). A Palavra eterna de Deus se encarna e nos dá a conhecer a plenitude do mistério divino.
O Verbo eterno entrou no tempo (Jesus) e comunicou a vida íntima de Deus aos homens daquele tempo, deixando o mandato do ensino: àqueles que escolheu prometeu assistência infalível do seu próprio Espírito, para que todos os povos participassem dessa revelação. Esse grupo, inicialmente os doze apóstolos liderados por Pedro, depois seus sucessores, se tornam o critério da verdade.
Posterior no tempo, mas tão importante quanto essa Sagrada Tradição Apostólica, é a Sagrada Escritura. Deve-se ter em mente que o que está escrito é o que era pregado. A palavra é anterior à escrita. O Antigo Testamento foi escrito durante aproximadamente mil anos, terminado por volta de dois séculos antes de Cristo. O Novo Testamento começou a ser escrito por volta do ano 50 depois de Cristo (duas décadas depois de sua pregação!) e só terminou por volta do ano 100. Muitos outros escritos haviam por esse tempo que não entraram no conjunto do que conhecemos hoje como Bíblia.
Para a escolha dos livros do Antigo Testamento, que é patrimônio também dos judeus, houve duas tradições. Os judeus de Alexandria, colônia grega no Egito, por volta do ano 200 a.C. escolheram 46 livros, dentre os quais 39 escritos originalmente em hebraico, que foram traduzidos para o grego. Essa versão é conhecida como Septuaginta ou “tradução dos Setenta” ou simplesmente “LXX”, referência aos setenta sábios que teriam feito a tradução para o grego. A segunda tradição é de apenas 39 livros. Judeus nacionalistas reunidos em Jamnia por volta do ano 100 d.C. rejeitaram os livros escritos em grego (1 e 2 Macabeus, Judite, Tobias, Eclesiástico, Sabedoria, Baruc e trechos de Daniel e Ester).
Já os Apóstolos utilizavam a versão grega em suas pregações. Aliás, todo o Novo Testamento foi escrito em grego. Desse modo compreende-se que a Igreja Católica tenha assimilado os 46 livros do Antigo Testamento.
Também houve controvérsias na escolha dos livros do Novo Testamento. Os livros de Tiago, Hebreus, Apocalipse, 2 Pedro, 2 e 3 João e Judas foram questionados por muito tempo. Aos poucos as próprias comunidades iam rejeitando alguns escritos, que hoje conhecemos como apócrifos. A definição do elenco dos atuais livros da nossa bíblia veio primeiramente por meio de Concílios Regionais como o de Roma (382 d.C), Hipona I (393 d.C), Cartago III (397 d.C). Uma definição universal veio no Concílio Ecumênico de Florença em 1442, reiterado em 1545 no Concílio de Trento, contra a Reforma Protestante que adotou somente 39 livros do Antigo Testamento.
Assim, a Bíblia como a conhecemos é fruto da Igreja Católica, da Tradição Apostólica. Ambas – Sagrada Escrita e Sagrada Tradição – estão a serviço da Palavra de Deus. A Bíblia, sem a devida e autêntica interpretação da Tradição que a criou, pode se tornar letra morta.


Cf. CONCÍLIO VATICANO II. Constituição Dogmática Dei Verbum sobre a Revelação Divina. 1965. Disponível em: http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/documents/vat-ii_const_19651118_dei-verbum_po.html

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Evolução da Lei do Amor

"Olho por olho, dente por dente"
A famosa "lei do talião", pode não parecer, é um avanço. O livro do Gêneses aponta Lamec, descendente de Caim, como sendo o "inventor" da vingança. Por uma ferida se mata um homem; por um arranhão, um jovem. Se se vinga Caim sete vezes, Lamec vinga setenta e sete! (Gn 4,23). Essa lei, que se encontra também no Código de Hamurábi e em leis assírias, visa coibir abusos. A punição se limita agora ao grau da ofensa.
Também se observa avanço na forma de tratar a ofensa: não só pelo ato em si, mas pela intenção. O homicídio premeditado cairia na lei do talião, vida por vida. O homicida involuntário, acidental, deveria ser protegido do "vingador de sangue", podendo até se refugiar no santuário.
Como em todo o Pentateuco, essa lei também, a seu modo, quer garantir a vida. A lei punitiva não tem função remediativa mas preventiva. O homem que cava um poço e não o tapa é responsável pelo que nele cair (Ex 21,34). Se alguém fizer uma fogueira no seu campo e o fogo se alastrar para o campo de outra pessoa, o causador do incêndio pagará todo o prejuízo (Ex 22,5). Ao longo do tempo as punições extremas vão se amenizando a ponto de serem substituídas por resgates ou pelo perdão.
O fato destas leis estarem inseridas na Lei do Sinai não pode ser interpretado como sendo leis "ditadas" diretamente por Deus. As leis do Sinai são anacrônicas se tomadas literalmente. Tratam de coisas que não existiam no deserto, "três meses depois da saída do Egito" (Ex 19,1), onde o texto é colocado, como campos, templos. A vida em sociedade exige que se conheça a autoridade. Então toda a lei é remetida a um momento primordial, fundante, a um patriarca e ao próprio Deus.
O ápice da evolução das leis bíblicas anti-violência se dá em Jesus, que no sermão da montanha desenvolve toda a Lei e os Profetas. "Ouviram o que foi dito aos antigos: Näo matarás. E ainda: Aquele que matar alguém terá de responder em julgamento. Mas eu digo-vos: Todo aquele que se irritar contra o seu semelhante terá de responder em julgamento; aquele que insultar o seu semelhante, chamando-lhe "imbecil", será julgado pelo tribunal; e aquele que lhe chamar "estúpido" merece ir para o fogo do inferno" (Mt 5,21s). Jesus, em sua Lei do Amor, eleva a crime a mínima ofensa: note-se o jogo de que quanto menor a ofensa, maior a pena.
"Ouviram o que foi dito: Olho por olho e dente por dente. Mas eu digo-vos: Näo resistam a quem vos fizer mal" (Mt 5,38-39). Jesus não ensina aqui a passividade frente ao mal, mas a extinguir o ciclo do mal, provocando no agressor a reflexão sobre a verdade: "Se disse alguma coisa de mal, mostra onde está o mal. Mas se o que eu disse está certo, por que é que me bates?" (Jo 18,23).

domingo, 8 de junho de 2008

Marcha da Maconha: legalização ou barbárie

Comentário ao artigo "Marcha da Maconha: legalização ou barbárie", publicada em 02/05/2008 às 19h04m (http://oglobo.globo.com/opiniao/mat/2008/05/02/marcha_da_maconha_legalizacao_ou_barbarie-427176164.asp) de Renato Cinco.

A falência da política de proibição de drogas é evidente, mas a política inversa não será solução definitiva, como bem reconhece o autor. Dizer que a legalização da maconha “fará desaparecer a principal fonte de financiamento do crime de rua e uma das principais fontes de corrupção das autoridades” é no mínimo inocente ignorância. É desconhecer que a maior movimentação financeira vem de drogas mais pesadas e que a legalização do comércio de um produto não significa que desaparecerão os meios ilegais de adquiri-lo.
Por trás do desejo de descriminização está a defesa de uma prática já realizada, não o desejo de um debate público. E ainda: passeatas não são nem de longe a melhor forma de discutir uma questão, principalmente se for polêmica. A passeata só mostra um lado da questão. Os debates sérios já acontecem há algum tempo e nunca foram proibidos.
Se juridicamente a defesa da descriminização não significa apologia ao ato defendido (no caso, quem defende a legalização da maconha não está necessariamente incentivando seu uso), não é assim para o espectador de uma tal passeata. Para uma criança ou adolescente mais vale uma bela passeata do que um debate fechado em meio político ou acadêmico. O direito à livre expressão não dá direito a defender qualquer coisa e de qualquer jeito.

domingo, 1 de junho de 2008

O mito como interpretação da realidade

Resumo de: CROATTO. José Severino. O mito como interpretação da realidade. Considerações sobre a função da linguagem de estrutura mítica no Pentateuco. In: RIBLA, n. 23. Petrópolis: Vozes, 1996, p. 16-22.


O Pentateuco é para Israel o relato das tradições fundantes, das experiências que dão sentido às práticas sociais e religiosas. Ele ajuda na compreensão da própria história e identidade do povo enquanto narra um tempo originário que garante o tempo presente.
Para essa importante tarefa, o mito é o recurso que melhor se adapta. No mito se recolhe o histórico e real e se lhe dá um novo significado, imaginando uma origem instauradora, de preferência de uma autoridade superior, quase sempre a divindade.
O que é narrado no mito certamente nunca aconteceu. O que é fato é uma interpretação de uma realidade dada no presente; aquilo a que o mito se refere, não o relato em si. O histórico do mito é interpretativo, não descritivo.
No Pentateuco, as experiências de sucessos dos hebreus são narradas como mito. As tradições do agora do povo também devem ter sua origem numa instância superior e primordial. O mito é também gerador de modelos divinos:
· A situação de um povo em situação de exílio e de diáspora, que esperam um futuro, é narrada como acontecimento salvífico carregado de símbolos, de teofanias reveladoras e de promessas aos patriarcas.
· Uma situação de pecado é narrada como a transgressão de um primeiro casal.
· A vingança de sangue, como prática preventiva, é originada e instituída por Deus no mito de Caim.
· A fundação e o desaparecimento da Babilônia imperial do agora de Israel é narrado no mito de Babel.
· A circuncisão, o sábado, o culto e todas as leis são remetidas a uma instauração divina no grande mito do Sinai, um momento impreciso mas primordial, original. O sábado é colocado mesmo no contexto da criação de Deus, como modelo a ser seguido: os homens fazem o que Deus fez.
Por fim, o mito é interpretador da história. A sucessão de fatos é re-significada com vistas a uma finalidade presente ou uma esperança futura. É fator encorajador principalmente na história religiosa de um povo.

domingo, 4 de maio de 2008

Ressurreição, Juízo Final e Juízo Particular

É opinião corrente nos meios teológicos que Juízo Final e Juízo Particular se darão em um só "momento", por ocasião da morte de cada um. O argumento usado é que o homem é ser inteiro, não podendo subsistir o corpo sem alma ou a alma sem o corpo, por um instante que seja. Logo a ressurreição do corpo se daria "no mesmo instante que a morte". Também é dito que para depois desta vida não há passagem de tempo; sendo assim seremos julgados todos ao mesmo tempo.
Tal não é o ensinamento da Igreja.
O Pe. Raniero Cantalamessa, OFM Cap. – pregador da Casa Pontifícia – comenta sobre a Liturgia da Ascensão do Senhor: "Nosso verdadeiro céu é Cristo ressuscitado, com quem iremos encontrar-nos e formar um «corpo» depois de nossa ressurreição, e de modo provisório e imperfeito imediatamente depois da morte". A Congregação para a Doutrina da Fé já havia se pronunciado em Carta referente a algumas questões de Escatologia, aos 17 de maio de 1979, sobre alguns pontos:
- A Igreja entende a ressurreição do homem todo inteiro; esta não é outra coisa que a extensão da ressurreição de Cristo aos homens.
- A Igreja afirma a sobrevivência e subsistência após a morte de um elemento espiritual que prorroga a consciência e assegura que o "eu" humano subsista. Para designar este elemento, a Igreja emprega o termo "alma", consagrado pela Escritura e Tradição. Sem ignorar que o termo tem diversos sentidos na bíblia, não há razão séria para o rejeitar e considera um recurso de linguagem essencial para assegurar a fé dos cristãos.
- A Igreja, conforme a Escritura, espera a manifestação gloriosa de Nosso Senhor Jesus Cristo, considerada, no entanto, como separada e distinta em comparação com a situação que os homens se encontram imediatamente após a sua morte.

Alguns teólogos criticam esta posição da Igreja, tachando-a de dualista por defender a distinção entre corpo e alma. Ora, seria também dualismo não aceitar a subsistência de um elemento sem o outro. O homem é inteiro, formado de corpo e alma, não como elementos antagônicos, mas complementares.
O que se dá na morte, em linhas gerais, é a corrupção do corpo e a permanência da alma (elemento espiritual, portanto não se decompõe). A alma (que é pessoa) é julgada em foro privado por Deus (juízo particular) e aí conhece seu destino (permanecer em Deus ou negá-l'O, afastando-O). Por ocasião da segunda vinda de Jesus (parusia), todos ressuscitarão em seus corpos (glorificados, não-materiais) e será esclarecida perante todos a história e cumprida toda a justiça (juízo final).

Há de se esclarecer ainda sobre a eternidade. Esta é a situação do que não teve começo nem terá fim. Então, só Deus é eterno. Ele abarca toda a história em um mesmo instante.
Para todos os outros seres, as criaturas, há sucessão de fatos. Neste mundo estamos sob o tempo, a sucessão de dias e anos. Para as criaturas espirituais (o que inclui o homem após a morte) há sucessão de fatos, de um modo que não é possível determinar. Caso morra hoje, não poderei ser julgado ao lado de uma pessoa que sequer existe, pois nascerá daqui a dez anos, por exemplo. A não ser que se admita, contra todos os argumentos e contra a Revelação, um estado de dormição, de não-existência esperando a ressurreição.
É, pois, errôneo atribuir a todos os homens um só juízo, o final, ocorrido logo após a morte em um mesmo instante para todos.

Seria melhor ainda não nos preocuparmos com especulações do tipo "como vai o céu" mas nos determos a praticar o "como se vai ao céu", conforme a reflexão do Pe. Cantalamessa: "As palavras do anjo, «homens da Galiléia, por qu e ficais aqui parados, olhando para o céu?», contêm também uma reprovação velada: não devem ficar olhando para o céu e especulando sobre o além, mas viver à espera do retorno [de Jesus], prosseguir sua missão, levar seu Evangelho até os confins da terra, melhorar a própria vida na terra".
E confiemos na Igreja, que nesse mesmo episódio evangélico recebeu de Jesus a promessa de assistência por "todos os dias até o fim do mundo".

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Comentário do Pe. Cantalamessa sobre a liturgia da Ascensão do Senhor. ROMA, 2 de maio de 2008 - http://www.zenit.org/article-18301?l=portuguese
CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Carta referente a algumas questões de Escatologia – Recentiores episcoporum Synodi, 17 de maio de 1979 - http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_con_cfaith_doc_19790517_escatologia_fr.html

segunda-feira, 14 de abril de 2008

Dom Estêvão Tavares Bettencourt, OSB

Realizou sua Páscoa, aos 89 anos, o monge Pe. Estêvão Tavares Bettencourt, OSB, no Rio de Janeiro, antes do amanhecer de hoje, 14 de abril de 2008.
Fica registrado aqui o meu luto ao grande mestre e defensor da fé, a quem muito devo.

domingo, 30 de março de 2008

O ser humano na Gaudium et Spes

A Constituição Pastoral sobre a Igreja no mundo tem como fundamento de reflexão o homem na sua unidade e integridade: corpo e alma, coração e consciência, inteligência e vontade (§3).
A atual fase da história é a de maior desenvolvimento e de mais rápidas transformações. Em meio a uma crise de crescimento, muitos se tornam incapazes de discernir valores verdadeiramente permanentes (§4).
O homem se experimenta limitado como criatura, porém com desejos ilimitados, chamado a uma vida superior. A Igreja acredita que a chave, o centro e o fim de toda história humana se encontram em Jesus Cristo e que há muitas coisas que não mudam, cujo último fundamento é Cristo, o mesmo ontem, hoje, e para sempre (§10).

O homem criado à imagem de Deus é na Sagrada Escritura sinal de sua dignidade. É capaz de conhecer e amar o seu Criador e é senhor de todas as criaturas terrenas. É também, por sua própria natureza, um ser social e inclinado para o mal (§12).
Sendo uno de corpo e alma, o homem sintetiza em si mesmo os elementos do mundo material, não podendo, pois, desprezar a vida corporal. Por sua interioridade, o homem é superior às coisas materiais e o transcende. Ao reconhecer em si uma alma espiritual e imortal, atinge a verdade profunda das coisas (§14). Essa natureza espiritual encontra sua perfeição na sabedoria, que atrai o espírito do homem à busca e amor da verdade e do bem (§15).
Na própria consciência humana encontra-se uma lei que está a chamar ao amor do bem e fuga do mal. Pela obediência e fidelidade à essa voz o homem está livre da arbitrariedade. É certo, porém, que a consciência pode errar por ignorância invencível ou se enfraquecer progressivamente com o hábito do pecado (§16). A dignidade do homem exige que se proceda segundo a consciência por livre adesão, não levado por cegos impulsos ou por coação externa. Essa liberdade não consiste na licença de fazer seja o que for, mas em buscar o que é bom (§17).

O temor da morte faz o homem pensar na sua condição transcendente. Todo o desenvolvimento técnico e científico esbarra no temor de que tudo se acabe para sempre com a morte. A fé cristã ensina que a morte corporal será vencida pela incorruptível vida divina que o Cristo ressuscitado nos obteve (§18).
Cristo revela o homem a si mesmo e é a sua plenitude. Homem perfeito, restitui a semelhança divina que fora deformada. Sofrendo por nós, não só nos deu um exemplo, mas resignificou a vida e a morte, dando-nos condições de cumprir nossa vocação divina (§22).

Como todos são chamados a um mesmo fim, os homens formam uma só família, sendo o amor de Deus e do próximo o primeiro e maior dos mandamentos. A pessoa humana deve ser o princípio, o sujeito e o fim de todas as instituições sociais. Qualquer perturbação da ordem social nasce do egoísmo e do orgulho dos homens. A busca do bem comum implica em direitos e deveres a todo o gênero humano e que a ordem das coisas esteja subordinada à ordem das pessoas (§24-26).
Os homens não são todos iguais quanto à capacidade física e forças intelectuais e morais, mas prevalece uma igualdade essencial entre todos: dotados de alma racional e criados à imagem de Deus (§29). Cumpre primeiro a cada um tornar-se consciente da própria dignidade e responder à sua vocação para chegar ao sentido de responsabilidade e à vontade de tomar parte nos empreendimentos comuns (§31).
A imensa atividade humana e suas conquistas trazem consigo questões de sentido e valor. É certo que o objetivo imediato de tais ações é melhorar as condições de vida dos homens. Toda atividade procede do homem e a ele se ordena, realizando-se a si mesmo (§33-35).
Todas as coisas possuem consistência, verdade, bondade e leis próprias que devem ser respeitadas mas não podem ser opostas à fé, pois têm origem no mesmo Deus (§36).
Pela sua encarnação, Cristo recapitulou toda a história do mundo e, pela sua ressurreição, transformará todo o universo, levando-o à sua plenitude, apesar de não sabermos o tempo e o modo como isso se dará (§38-39).
Desse modo, a Igreja não se limita a comunicar a vida divina; ilumina todo o mundo trabalhando pela dignidade do homem, consolidando a sociedade e dando sentido profundo às atividades humanas. Ela porta as respostas às aspirações mais profundas do coração humano enquanto é presença de Cristo, princípio e fim de toda a criação (§41-45).

sábado, 29 de março de 2008

Ainda a Salvação

Continuação do texto anterior, em resposta ao debate:
http://www.orkut.com/CommMsgs.aspx?cmm=17464739&tid=2589958463143242627&na=4
"[ninguém provou] empiricamente a existência real desses lugares de gozo e de sofrimento eternos e jamais o farão".
Primeiro, o gozo ou sofrimento eternos não são lugares. As ciências empíricas só tratam daquilo que está a seu alcance imediato, superficial. Não podem, por exemplo, tratar do problema da VERDADE, pois esta não é material ou experimentável. A existência da Verdade ou de Deus pode ser "provada" pela Filosofia, pela Lógica.

O cientista também crê naquilo que foi legado por seus colegas sem precisar experimentar tudo novamente. Aliás, o ser humano em geral vive de crenças, desde sua primeira infância até a velhice.
Fé não é sinônimo de acreditar para o Cristianismo. Fé é resposta a uma proposta. O próprio Filho de Deus é a proposta: se encarnou para se revelar.
De fato, o homem pode, como já disse, reconhecer Deus através de sua própria inteligência mas a plenitude de seu mistério só nos é possível por Revelação.

O homem é verdadeiramente livre. Liberdade não é onipotência. Se existem dois caminhos devo optar livremente por um deles, não por um terceiro que não existe, esperando que este surja para satisfazer o meu capricho. Não é necessário "seguir Deus" para desfrutar de sua salvação. No meu texto anterior disse que a salvação é para todos. Salvação, a propósito, tem sua raiz em Saúde, aquilo que faz bem ao homem, aquilo para o qual existe, neste caso, a vida com Deus. Aquele que não conhece a Deus se salva seguindo a sua consciência, que, se não é doente ou maltratada, lhe ditará as normas da moralidade, fazendo o bem e evitando o mal.

"a soteriologia está muito mal explicada na bíblia. Veja só: Deus cria o homem perfeito, depois deixa (por negligência) o diabo (Seu inimigo) entrar no lugar sagrado do Éden para tentar o homem. Este cai em tentação por desobediência (como pode um ser criado perfeito falhar?) e é expulso do Paraíso. Daí então começa as aflições da humanidade que permanece até hoje. Mesmo o sacrifício de Cristo na cruz não foi suficiente para trazer de volta a paz perdida lá no Éden..."

"Deus cria o homem perfeito". Primeiro equívoco. Isto não está na bíblia e é uma coisa impossível. Perfeito é aquilo que é completo, não lhe falta nada, contém todas as perfeições. Ora, isso só cabe a Deus. Se Deus criasse outro ser perfeito estaria criando outro Deus, o que é contraditório. A definição de Deus exige que Ele seja Um.

A linguagem do Gêneses é mitológica e não pretende contar detalhes de um acontecimento. A mensagem a se tirar é, em resumo, que Deus é criador de todas as coisas; o homem é a plenitude da criação; o homem pecou; Deus não abandonou o homem; etc.
Outro equívoco: não há diabo no texto do Gêneses. "A serpente era o mais astuto de todos os animais"; há todo um dado cultural que deveria ser refletido nestes textos.

"Não julgueis que vim trazer a paz à terra. Vim trazer não a paz, mas a espada". (Mt 10,34) "Porque aprouve a Deus fazer habitar nele toda a plenitude e por seu intermédio reconciliar consigo todas as criaturas, por intermédio daquele que, ao preço do próprio sangue na cruz, restabeleceu a paz a tudo quanto existe na terra e nos céus". (Cl 1,19s) - A paz conseguida por Cristo é ainda superior a que os primeiros pais perderam. Por sua encarnação, morte e, principalmente, Ressurreição, deu-nos a plenitude da vida, a vida em Deus, cada um segundo as suas capacidades, como dito. Deus se fez homem para que pudéssemos participar de sua divindade.

sexta-feira, 21 de março de 2008

Quem será salvo?

A salvação que vem do Cristo é oferecida a todos. Esta consiste na vida eterna em Deus, anseio último do homem, mesmo daquele que nega a transcendência que lhe é inata.
A vida terrestre é como que prelúdio da vida divina: o modo com que cada um vive esta vida será plenificado em Deus. Todos serão saciados: aquele que espera pouco, pouco será dado; aquele que espera muito, muito será dado. Analogamente: um pequeno frasco e uma grande jarra; o primeiro será plenamente saciado com pouca água, o segundo com mais água. Ambos, porém, satisfeitos.
A salvação só não será dada àquele que a rejeitar. Deus fez o homem livre. E, sendo Onipotente, uma coisa que Ele não pode é se contradizer; no caso, contrariar a vontade de um homem que não quer a vida eterna em Deus. A essa possível aversão voluntária a Deus chamamos inferno.
A salvação é oferecida inclusive aos que não crêem no Cristo ou em Deus. A Oração Universal da celebração da Sexta-feira Santa inclui uma prece "por aqueles que não crêm no Cristo e caminham sob o vosso olhar com sinceridade de coração" para que possam chegar ao conhecimento da verdade. E também uma prece "pelos que não reconhecem a Deus", para que, buscando lealmente o que é reto, possam chegar ao Deus verdadeiro. "Com efeito, aqueles que, ignorando sem culpa o Evangelho de Cristo, e a Sua Igreja, procuram, contudo, a Deus com coração sincero, e se esforçam, sob o influxo da graça, por cumprir a Sua vontade, manifestada pelo ditame da consciência, também eles podem alcançar a salvação eterna". (Concílio Vaticano II. Constituição Dogmática Lumen Gentium sobre a Igreja, 16, grifos meus)

quarta-feira, 12 de março de 2008

Breve História da investigação sobre o Jesus histórico

A “Primeira Investigação”
Antes do XVIII século era opinião comum que os quatro Evangelhos narravam de forma história e quase literal a vida e palavras de Jesus. A cristologia de então partia de uma abordagem “alta, descendente”, da consideração de Jesus como o Cristo, o Filho de Deus, e a partir daí chegar à sua humanidade. Ao final desse século o protestantismo alemão se viu obrigado a responder ao racionalismo liberal iluminista. Os teólogos então começam a aplicar o método da crítica histórica aos textos bíblicos.
O primeiro foi Reimarus, que teve sua obra publicada por seu discípulo Lessing. Faziam uma distinção entre o projeto de Jesus e a intenção dos discípulos. Jesus pregou o reino dos céus e a conversão. Foi um messias político que visava libertar os judeus do jugo romano. Diante do fracasso de Jesus, os seus discípulos inventaram a ressurreição, apresentando-o como um messias apocalíptico que haveria de voltar.
Fazem parte desse “primeiro” racionalismo: Hess, Reinhard, Herder, Bahrdt e Venturini. Para Bahrdt, por exemplo, Jesus não foi mais do que um instrumento nas mãos dos essênios para minar o poder dos sacerdotes e dos fariseus. Seus milagres foram inventos desta seita. Para Venturini, Jesus foi um curandeiro.
Logo surge um período chamado “racionalismo clássico”. Paulus, seu principal expoente, apresenta em 1828 Jesus como um grande mestre de moral. Seus milagres são todos explicados de modo racional.
Scheilermacher faz distinção entre o Jesus da história e o Cristo da fé. Este, se vê no Evangelho de João; aquele, nos três sinóticos. Os milagres que não podem ser explicados racionalmente devem ser negados.
Para David Strauss os evangelhos são relatos míticos. Não são relatos frutos do engano, como dizia Reimarus, mas frutos de imaginação mítica que cria uma narração para transmitir uma idéia. Isso não afeta o núcleo da fé cristã: a humanidade de Deus, segundo ele. Os evangelhos são, portanto, dirigidos para a fé e não possuem fiabilidade histórica; é impossível reconstruir a vida de Jesus de Nazaré.
Surge nos anos seguintes a “questão sinótica”. A investigação passa do âmbito teológico para a crítica literária. Até então Mateus era considerado o evangelho mais antigo. Weisse, discípulo de Strauss, e Wilke propuseram a hipótese das “duas fontes” em 1838. Marcos não seria um resumo mas sim uma fonte, pois Mateus e Lucas coincidem entre si em ordem somente quando coincidem com Marcos. Há ainda uma fonte de ditos comuns (fonte “Q”, Quelle = fonte) a Mateus e Lucas, hoje perdida. Esta teoria determina o estudo dos evangelhos até hoje.
Ao mesmo tempo se desenvolve a escola liberal protestante (“Libertemo-nos do dogma e voltemos ao homem Jesus”, proclamavam) que confiam nos evangelhos como fontes históricas, principalmente as duas fontes, ao contrário da escola racionalista. Sobressaem Weiss, Harnack e Renan. Pretendiam traçar o itinerário psicológico de Jesus e libertar sua imagem dos retoques do kerigma (primeiro anúncio para a conversão). Jesus teria pregado uma religião interna, moralista e espiritualizante; morreu como mártir.
Em 1901 Wrede vai contra a historicidade de Marcos dizendo que o segredo messiânico (Jesus proibia os curados de divulgar sua pessoa) era uma construção da comunidade primitiva, não de Jesus, que não tinha consciência messiânica.
Karl Schmidt demonstrou o caráter fragmentário e descontínuo dos evangelhos.
Juntos, Wrede e Schmidt desbancam a escola liberal, levando toda a investigação sobre a pessoa de Jesus a um impasse.
Em 1892, Martin Kähler faz a distinção, que marcaria toda a pesquisa posterior, entre o Jesus histórico e o Cristo da fé. Jesus é o homem de Nazaré descrito pela crítica e Cristo é o salvador pregado pela Igreja. Este é o único real, pois do Jesus histórico pouco podemos saber.
Neste mesmo contexto de separação entre história e kerigma, surge Bultmann, teólogo protestante que radicaliza o programa de Strauss, Kähler e Wrede de separar Jesus do Cristo. Surgem também dois fatores importantes: a investigação baseada na história das religiões e a aplicação da história ou crítica das formas aos sinóticos.
Reitzenstein e Bousset traçam paralelos entre o cristianismo e as antigas religiões orientais, considerando que o helenismo e o gnosticismo influenciaram a teologia do Novo Testamento. Wellhausen, pelo mesmo caminho, conclui que os evangelhos tem valor histórico somente enquanto testemunho de fé da comunidade primitiva.
Schmidt havia descoberto a composição em unidades independentes nos evangelhos e que o marco narrativo foi criado secundariamente pelos evangelistas. Passou-se dos estudos das fontes para o estudo das tradições. Para a escola bultmaniana estas unidades de tradição oral não se originaram durante a vida de Jesus. A história das formas então conclui que os evangelhos não são biografias, mas testemunhos de fé; não são devidos a uma pessoa mas são compilações.


A “Nova Investigação”
A posição de Bultmann instiga o estudo do problema por parte de seus alunos e dos teólogos católicos. Käsemann, discípulo direto de Bultmann, dá novo rumo à pesquisa a partir de 1953, afirmando que o Jesus terreno e o Ressuscitado é o mesmo. Constata a continuidade entre a pregação de Jesus e dos Apóstolos.
A partir desta década, vários trabalhos são publicados no sentido de que a pessoa de Jesus é o fundamento do kerigma; não é possível afirmar nada em perspectiva cristológica que não se baseie no Jesus histórico. A cristologia deve se basear nas autênticas palavras e atos de Jesus, segundo J. Jeremias. O começo da fé não está no kerigma, mas na pessoa mesma de Jesus.
Neste momento da investigação, com a ajuda da crítica redacional, se vão fixando os “critérios de autenticidade histórica”. São quatro os fundamentais:
1. Critério de testemunho múltiplo.
2. Critério de descontinuidade ou dessemelhança. Quando não se pode reduzir a concepções do judaísmo ou mesmo da Igreja primitiva. Mostra a originalidade de Jesus.
3. Critério de dificuldade. Considera autêntico um texto que tenha gerado dificuldade de interpretação ou embaraço à Igreja primitiva.
4. Critério de coerência com os demais critérios.
A “Nova Investigação” chegou às seguintes conclusões: é impossível e desnecessário fazer uma biografia de Jesus; os evangelhos são as únicas fontes de acesso a Jesus e neles estão unidos história e fé, acontecimento e interpretação; há continuidade entre a história e o kerigma; não se busca mera informação sobre Jesus, mas sua significação existencial para a compreensão do mistério humano.

A “Terceira Investigação”
A partir de 1980 se inicia um novo processo investigativo sobre Jesus marcado pelo deslocamento do mundo alemão, pelo caráter interdisciplinar, interconfessional e interreligioso e pelo grande volume de obras sobre o tema. Se tem chegado a alguns consensos:
- os Evangelhos, sobretudo os sinóticos, são as principais fontes históricas sobre Jesus.
- a importância da fonte “Q” e da literatura apócrifa, e das descobertas de Qumran e Nag Hammadi.
- a colocação de Jesus no ambiente e contexto sócio-histórico judeu de sua época, sobretudo da Galiléia.
As principais questões discutidas nessa investigação:
- a situação sócio-política da Galiléia do tempo de Jesus. Alguns pensam num momento conflitivo em que Jesus se apresenta como reformador social (Borg, Crossan, Horsley). Outros pensam numa situação tranqüila e Jesus como um profeta escatológico (Sanders, Meier).
- a compreensão de Reino de Deus. Muitos pensam os ditos sobre o Reino como criação da comunidade. Parece que a proximidade de tal Reino pertence à pregação de Jesus, mas resta esclarecer se se trata do fim da história (Sanders, Meier) ou uma transformação social do presente (Crossan, Mack).


Conclusão
É possível reconhecer algo de certo através da evolução da crítica sobre o Jesus histórico. Pode-se dizer que a fé não nasce dela mesma. Por trás da pregação primitiva e da fé pós-pascal está um acontecimento histórico: Jesus de Nazaré.
É inegável a autenticidade do material evangélico. Recorrendo a esse abundante material se pode reconhecer alguns traços da personalidade de Jesus.
Toda a história da investigação sobre Jesus trata, e continuará tratando, de como conciliar fé e história.

Bibliografia
CADAVID, Alvaro. La investigación sobre la vida de Jesús. In: Teologia y vida. Vol. XLIII. Medellín, 2002. pp. 512-540.
LOEWE, William P. Introdução à Cristologia. São Paulo: Paulus, 2000. p. 5-54.

terça-feira, 11 de março de 2008

As novas formas de pecado social

Mais uma interpretação equivocada da imprensa.
O Vaticano não publicou uma nova lista dos sete pecados capitais. A confusão se deve à interpretação que alguns órgãos informativos fizeram de uma entrevista publicada na edição italiana cotidiana de L’Osservatore Romano, com data de 9 de março.
O entrevistado é Dom Gianfranco Girotti, bispo regente do tribunal da Penitenciaria Apostólica: Le nuove forme del peccato sociale
http://www.zenit.org/article-13786?l=italian
A entrevista trata principalmente do papel da Penitenciária Apostólica, que é um organismo de foro interno que examina e resolve dúvidas morais ou jurídicas. A um dado momento, fala sobre a consciência de pecado na sociedade moderna.O jornalista Nicola Gori perguntou ao prelado: Quali sono i nuovi peccati secondo lei? (Quais são, segundo o senhor, os novos pecados?)
"Há várias áreas dentro das quais hoje percebemos atitudes pecaminosas em relação aos direitos individuais e sociais. Antes de tudo a área da bioética, dentro da qual não podemos deixar de denunciar algumas violações dos direitos fundamentais da natureza humana, através de experimentos, manipulações genéticas, cujos efeitos é difícil prever e controlar. Outra área, propriamente social, é a área das drogas, com a qual a psique se enfraquece e a inteligência obscurece, deixando muitos jovens fora do circuito eclesial. a área das desigualdades sociais e econômicas, pelas quais os pobres se tornam cada vez mais pobres e os ricos cada vez mais ricos, alimentando uma insustentável justiça social; a área da ecologia, que reveste hoje um importante interesse".

sábado, 23 de fevereiro de 2008

O inferno é um local físico?

Sexta, 8 de fevereiro de 2008, a Redação do Terra Notícias afirma que “O papa Bento XVI afirmou que o inferno é um local físico que existe e não está vazio, ao contrário do que seu antecessor, João Paulo II, dizia.” http://noticias.terra.com.br/mundo/interna/0,,OI2371866-EI312,00.html

O defeito da notícia é dizer o que não foi dito: “o inferno é um local físico”. No Encontro com o Clero de Roma, 07 de fevereiro de 2008, a que a notícia faz referência, Pe. Pietro Riggi, pergunta: “a 25 de Março de 2007 Vossa Santidade pronunciou um discurso improvisado, lamentando-se de como hoje se fala pouco dos Novíssimos. De facto, nos catecismos da CEI [Conferência Episcopal Italiana] usados para o ensino da nossa fé aos jovens de confissão, comunhão e crisma, parece-me que são omitidas algumas verdades de fé. Nunca se fala do inferno, do purgatório, uma só vez do paraíso, uma só vez do pecado, só do pecado original. Faltando estas partes essenciais do credo, não lhe parece que desaba o sistema lógico que leva a ver a redenção de Cristo?”

O Papa responde: “Com razão o senhor falou de temas fundamentais da fé, que infelizmente poucas vezes são mencionados na nossa pregação”. E o que mais se aproxima de uma definição de inferno: “Procurei dizer: talvez não sejam tantos os que se destruíram assim, que são incuráveis para sempre, que já não tem mais elemento algum sobre o qual se possa basear o amor de Deus, não têm mais em si mesmos um mínimo de capacidade de amar. Isto seria o inferno.”

Nada de “local físico” e nada de diferente de João Paulo II.

A 25 de março de 2007 foi dito na homilia durante a celebração eucarística presidida na paróquia romana de Santa Felicidade e Filhos Mártires (http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/homilies/2007/documents/hf_ben-xvi_hom_20070325_visita-parrocchia_po.html): “Jesus veio para nos dizer que nos quer a todos no Paraíso, e que o inferno, do qual se fala pouco nesta nossa época, existe e é eterno para quantos fecham o coração ao seu amor. Portanto, também neste episódio compreendemos que o nosso verdadeiro inimigo é o apego ao pecado, que pode levar-nos ao fracasso da nossa existência”. É a única citação de inferno na homilia.

João Paulo II já tratou mais especificamente do tema em Audiência de 28 de Julho de 1999, “O inferno como rejeição definitiva de Deus” (http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/audiences/1999/documents/hf_jp-ii_aud_28071999_po.html) . Destaco as seguintes afirmações, que resumem a doutrina católica sobre o inferno, grifos meus:

“o homem, chamado a responder-Lhe na liberdade, pode infelizmente optar por rejeitar de maneira definitiva o Seu amor e o Seu perdão[...]É a situação em que definitivamente se coloca quem rejeita a misericórdia do Pai, também no último instante da sua vida.” §1

“Para descrever esta realidade, a Sagrada Escritura serve-se de uma linguagem simbólica §2

“O inferno está a indicar, mais do que um lugar, a situação em que se vai encontrar quem de maneira livre e definitiva se afasta de Deus, fonte de vida e de alegria. Assim resume os dados da fé sobre este tema o Catecismo da Igreja Católica: «Morrer em pecado mortal sem arrependimento e sem dar acolhimento ao amor misericordioso de Deus é a mesma coisa que morrer separado d'Ele para sempre, por livre escolha própria. E é este estado de auto-exclusão definitiva da comunhão com Deus e com os bem-aventurados que se designa pela palavra "Inferno"» (n. 1033).” §3

É de se lamentar que a imprensa use de meias-verdades ou deturpações com o simples intuito de conseguir audiência.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Padres sugerem o fim do celibato - Estadão 20/02/2008

O meu comentário limita-se à reportagem, e não à temática, por enquanto.

A petição não é nova e o sr. José Maria Mayrink ainda manipula os fatos para causar sensação.

"O documento final do 12º Encontro Nacional de Presbíteros, encerrado ontem no Mosteiro de Itaici, município de Indaiatuba (SP), propõe ao Vaticano a busca de alternativas para o celibato sacerdotal".
Duas coisas: o documento final ainda não saiu e, quando sair, trará uma síntese das reflexões do encontro e pistas de ação para serem debatidas pelos padres em suas dioceses, não uma "proposta ao Vaticano". Poderá tratar da temática pois, como sempre, foi colocada pela Associação Rumos de padres casados.

"Aprovado por 430 delegados que representavam os 18.685 padres ..."
Participaram do encontro 451 pessoas. É um encontro promovido pelo CNP - Conselho Nacional de Presbíteros, uma associação livre de padres. Os 430 que aprovaram o documento final (não a petição a ser enviada ao Vaticano) não falam por todos os padres do Brasil. É um encontro à semelhança dos sindicatos.

"As duas reivindicações contrariam normas em vigor na Igreja"
A primeira (celibato do clero) contraria sim as normas em vigor, mas pode muito bem ser debatida como é feito e poderá um dia a Igreja Romana ordenar homens casados, como é feito nos ritos orientais, sem a extinção do celibato.
A segunda reivindicação ("orientações mais seguras e definidas sobre o acompanhamento pastoral de casais de segunda união") não contraria em nada as normas em vigor. É um pedido de orientação, não de mudança. O problema dos casais em segunda união é de caráter sacramental e não haverá mudança de doutrina.

"A Igreja restabeleceu o diaconato permanente, ... Os diáconos podem pregar nos templos e administrar sacramentos, embora não todos. Batizam, dão a unção dos enfermos..."
Sempre houve o diaconato permanente. O diácono permanente não pode ministrar a unção dos enfermos.

A carta aprovada pode ser lida aqui:
http://www.cnbb.org.br/index.php?op=noticia&subop=17324

sábado, 9 de fevereiro de 2008

Deus sabia que Adão iria pecar?

Sim. A onisciência de Deus é relacionada com sua eternidade. Sem começo nem fim, Deus abarca todo o tempo. Este só é percebido pelas criaturas que foram inseridas no tempo.

Por que criou?
Sendo Deus Bondade, só faz o que é bom. E o primeiro bem que um ser recebe é a existência. Se algo existe, é porque é bom. Assim, por exemplo, o mal em si não existe, mas é uma carência.

"Deus não permitiria o mal se não pudesse tirar dele bem maior", diria Santo Agostinho. De fato, do pecado do homem Deus criou a possibilidade da bem-aventurança eterna junto d'Ele.

Este texto é uma resposta ao fórum
http://www.orkut.com/CommMsgs.aspx?cmm=17464739&tid=2580608755330575827&start=1

Algumas das minhas participações no fórum "Religião se discute!"

O mais respeitoso e culto fórum de religiões do Orkut: http://www.orkut.com/Community.aspx?cmm=17464739

Tópicos que contribuí satisfatoriamente:

Casamento entre Religião ou Doutrina diferente. http://www.orkut.com/CommMsgs.aspx?cmm=17464739&tid=2517930594552409278&kw=m%C3%81rcio

Células Tronco
http://www.orkut.com/CommMsgs.aspx?cmm=17464739&tid=2482728552968121534&kw=m%C3%81rcio

Alma imortal ou ressurreição?
http://www.orkut.com/CommMsgs.aspx?cmm=17464739&tid=2489910169912999919&kw=m%C3%81rcio

Desdém católico para com Jesus (sobre riquezas da Igreja)
http://www.orkut.com/CommMsgs.aspx?cmm=17464739&tid=2490276571428087901&kw=m%C3%81rcio

canonização
http://www.orkut.com/CommMsgs.aspx?cmm=17464739&tid=2518520312877769980&kw=m%C3%81rcio

Infalibilidade do Sumo Pontífice
http://www.orkut.com/CommMsgs.aspx?cmm=17464739&tid=2488281604227632382&kw=m%C3%81rcio

A Transfiguração

Resumo de
RATZINGER, Joseph. Duas balizas importantes no caminho de Jesus: a confissão de Pedro e a Transfiguração. In: _____. Jesus de Nazaré. São Paulo: Planeta, 2007. p. 247-270.

Nos sinóticos, a confissão de Pedro e a transfiguração estão ligados por uma informação temporal. Mt e Mc dizem: “Seis dias depois Jesus tomou à parte Pedro, Tiago e João”. Lc escreve: “Cerca de oito dias depois destes discursos”. Confissão e transfiguração estão relacionados como a glória e a paixão, a divindade e a cruz.
No outono há duas festas judaicas separadas por cinco dias: o Yom Kippur e seis dias depois a Sukkot. Pedro teria manfestado sua fé no Cristo no Yom Kippur, nesse dia em que o Sumo Sacerdote pronunciava o nome de Deus no Santo dos Santos do templo.
Outra explicação relaciona os dois eventos dentro da semana das tendas. A confissão no primeiro dia e a transfiguração no último.
Há uma outra explicação não relacionada com a festa das tendas, mas com Ex 24, a subida de Moisés ao Sinai, onde se lê: “A glória do Senhor desceu sobre o Sinai e a nuvem cobriu o monte durante seis dias. No sétimo dia o Senhor chamou Moisés do meio da nuvem”.
As três explicações oferecem contextos importantes, apesar da datação pelas festas ser mais convincente.

No texto da Transfiguração se diz que Jesus subiu ao monte com Pedro, Tiago e João. Os mesmo, mas tarde, estarão no monte das Oliveiras. Pode-se também relacionar com o já citado capítulo do Êxodo, onde Moisés também toma três pessoas consigo.
O monte é local de especial relação com Deus, de paixão e de revelação. O monte da tentação, da pregação, da oração, da transfiguração, da agonia, da cruz e o monte do Ressuscitado. No AT temos os montes de evelação: o Sinai, o Horeb e o Moriah.
Os sinóticos concordam que, enquanto Jesus orava, suas vestes tornaram-se brancas como a luz. Penetrado na intimidade de Deus, Ele próprio é luz. Aqui a diferença com Moisés, que não sabia que seu rosto brilhava, Jesus brilha a partir de si mesmo. No Ap se faz referência às vestes brancas dos anjos e dos eleitos, que foram lavadas no sangue do Cordeiro, foram ligados à paixão de Jesus, revestidos de sua luz.

Apareceram Moisés e Elias. A lei e os profetas falam com Jesus, falam de Jesus. O mesmo se dá no caminho de Emaús. Lc conta sobre o que falavam: sobre o seu êxodo, passagem pela paixão para a glória.

Ao descerem do monte Jesus fala aos discípulos sobre sua ressurreição. Eles, porém, perguntam sobre o regresso de Elias! Jesus confirma essa expectativa, a completa e corrige, identificando-o com João Batista, que prepara a vinda do Messias. A tradição vigente previa o martírio de Elias, por ocasião de sua volta.

As palavras de Pedro, em meio ao medo e à alegria, sobre “construir três tendas” podem sugerir uma relação com Êx 33, onde Moisés monta fora do acampamento a tenda da revelação, sobre a qual a coluna de nuvem desceu e Moisés e Deus dialogavam. Mas o fato de serem três tendas contrapõe esta relação.
A relação com a festa dos tabernáculos torna-se convincente pelo sentido messiânico da festa e também pelo testemunho dos Padres da Igreja. O aspecto de esperança da festa se dava pela representação da divina tenda onde habitariam os redimidos no mundo futuro. Pedro, em seu êxtase, reconhece que chegou o tempo messiânico.
São Gregório de Nissa relaciona, ainda, a festa dos tabernáculos com a encarnação (Jo 1,14)

“Veio então uma nuvem... deveis escutá-lo”. A nuvem era sinal da presença de Deus. A mesma cena do Batismo, com a proclamação da filiação, mais o imperativo: “A Ele deveis escutar”. Relacionando com a subida de Moisés no Sinai onde recebeu a Torá, Jesus torna-se Ele mesmo a Torá, a revelação de Deus. Moisés ordenava o que Deus lhe dizia; Jesus, Ele mesmo devia ser escutado.

A frase inicial de Mc (9,1) antes da Transfiguração, segundo Pesch faz referência à transfiguração mesma.

A confissão de Pedro

Resumo de
RATZINGER, Joseph. Duas balizas importantes no caminho de Jesus: a confissão de Pedro e a Transfiguração. In: _____. Jesus de Nazaré. São Paulo: Planeta, 2007. p. 247-270.

Lugar que se deu a confissão: região da Cesaréia de Filipe (Mt e Mc). Pela tradição, uma parede de pedra sobre o Jordão. Ocorrereu a caminho de Jerusalém. Significa o começo do seguimento, o convite à decisão e onde a Igreja teve seu início. A decisão do seguimento é apoiada no conhecimento de Jesus, manifestado por Pedro ante a pergunta de Jesus (E vós, quem dizeis que eu sou?).
Em Lc, a pergunta é colocada num contexto de intimidade (9,18: Jesus orava em particular, cercado dos discípulos). O discípulo realmente conhece, não só tem uma “opinião” a respeito de Jesus como “os outros”, as multidões.
Sobre as opiniões acerca de quem Jesus é, opiniões que o enquadram como profeta, são aproximações não totalmente erradas. P. ex., Elias representa a reconstituição de Israel e Jeremias (Mt) a renovação da aliança em meio à decadência.
Também hoje se faz esse tipo de aproximação sobre a pessoa de Jesus como exemplo de humanidade ou de experiência de Deus.
O conhecimento dos discípulos, expresso na confissão de Pedro, é dito de formas diferentes pelos evangelistas: Mc: o Cristo; Lc: o Cristo de Deus; Mt: o Cristo, o Filho do Deus Vivo; Jo: o Santo de Deus. Para Grelot, é Mc quem reproduz o momento histórico corretamente.

A confissão em Mt seria pós-pascal, mais amadurecida teologicamente, e ligada à teoria de que Pedro teria recebido uma revelação do Ressuscitado, como Paulo. Poderia derivar uma outra teoria: Paulo teria a mesma função e missão que Pedro, destinando-se aos gentios, enquanto Pedro se destina aos judeus. Mas Paulo reconhece que necessita da comunhão com os antigos apóstolos, mostrando Pedro sempre em primeiro lugar, como coluna.

A opinião de que a confissão judaica de Pedro foi rejeitada por Jesus não está no texto. Jesus apenas proíbe uma divulgação pública desta confissão, que seria mal-interpretada.

As formas da confissão só se compreendem ligadas ao anúncio do mistério pascal, que é como que um explicação do real significado dos títulos. E inversamente: o anúncio do mistério pascal só é entendido se se esclarece que quem sofrerá é o Cristo, o filho de Deus...

Os títulos cristológicos da confissão são retomados no processo de condenação de Jesus. Em Mc, o sumo sacerdote pergunta: “És tu o Cristo, o Filho do Altíssimo?” (Filho do Altíssimo não aparece na confissão em Mc). Isto pressupõe: que a imagem de Jesus como Messias era conhecida, e que a relação entre Messias e Filho era bíblica.
Assim se esclarece o porquê da confissão em Mt, levando-se em conta seu público.
Em Lc, “o Cristo de Deus” aparece na boca de Simeão, na infância, e nos insultos dos chefes do povo, aos pés da cruz: “se és o Cristo de Deus, ajude-se a si mesmo”. Os três textos afirmam que o “ungido” pertence a Deus.
Outro texto de confissão em Lc é o episódio da “pesca milagrosa” que refere o espanto causado pela presença de Deus. Pedro cai aos pes de jesus e diz: “Afasta-te de mim, Senhor, que eu sou um homem pecador”. é o título de Deus do AT.
Também o episódio do caminhar sobre as águas (Mt) termina com a confissão dos discípulos. “Tu és o filho de Deus”.
A confissão de Pedro em Jo chama atenção para a diferença entre Jesus e o Messias esperado por alguns. No contexto do discurso eucarístico, que suscedeu a multiplicação dos pães, Jesus se recusa a tornar a sua missão em uma produção de bens materiais; pelo contário, explica sua oblação, provocando o afastamento de alguns. Pedro, em nome dos que não o abandonaram, confessa: “A quem iremos?... Nós acreditamos e sabemos: Tu és o Santo de Deus”.
Conclui-se que o que causou escândalo não foi um messianismo político, mas o “colocar-se no mesmo plano do Deus vivo”.
Os discípulos reconheceram que ele era muito mais que “um dos profetas”, mas era Deus mesmo. Expressavam isso pelos títulos: Cristo, o ungido, Filho de Deus, Senhor, culminando na expressão de Tomé: “Meu Senhor e meu Deus”.

EXIGÊNCIAS E TAREFAS ATUAIS DA FILOSOFIA E TEOLOGIA

Resumo do cap. VII - EXIGÊNCIAS E TAREFAS ACTUAIS - da Encíclica "Fides et Ratio" (Fé e Razão)de João Paulo II, 1998.

A Sagrada Escritura contém um série de elementos filosóficos acerca do homem e do mundo: o Absoluto, a liberdade, a imortalidade, a existência, o mal moral. Propõe também uma resposta a todas as perguntas: Jesus Cristo. A Revelação constitui assim, uma tarefa para a filosofia.
Diante dos mais variados pontos de vista, o homem moderno sente-se confuso ante o problema da existência e do sentido. As muitas teorias podem desembocar em ceticismo ou indiferença. A crise de sentido é também tarefa atual para a filosofia.
O que se deve buscar sempre é a verdade total e definitiva. Verificar a capacidade do homem chegar ao conhecimento da verdade é tarefa e exigência para a filosofia.
Retomar a metafísica autêntica é uma exigência decorrente das anteriores, visto que a realidade e a verdade não podem estar presas somente aos dados empíricos.
Uma visão unitária e orgânica do saber impediria a fragmentação da verdade e do seu sentido e ajudaria na unidade interior do homem de hoje. Eis mais uma tarefa para a filosofia.
A relação entre a filosofia e a tradição cristã visa prevenir do perigo de algumas correntes filosóficas, entre elas:
O ecletismo, que toma idéias de distintas filosofias sem se importar com sua coerência.
O historicismo, que estabelece uma verdade adequada a um período e uma função histórica, negando a validade perene da verdade.
O modernismo, que usa apenas asserções e termos mais recentes, desconsiderando a tradição.
O cientificismo, que se recusa admitir formas de conhecimento diferente das ciências positivas. Nega a metafísica e mesmo a ética. Tudo que é tecnicamente possível torna-se moralmente admissível.
O pragmatismo, que ao fazer suas opções, exclui o recurso à reflexão e avaliação. Tal ocorre em certas democracias.
O niilismo, que rejeita qualquer fundamento e toda verdade objetiva.
Já para a teologia, as tarefas que se impões são:
A renovação de sua metodologia, conforme o Concílio Vaticano II;
Manter o olhar fixo na Verdade, que lhe foi confiada pela Revelação;
Manter o diálogo sincero e tolerante entre as pessoas, superar as divisões;
Análise atenta dos textos da Sagrada Escritura e da Tradição com o contributo da filosofia. Que o teólogo se interrogue sobre qual seja a verdade profunda do texto dentro dos limites da linguagem, e sobre o fato histórico e sua significação.
Conciliar a verdade universal com os condicionamentos históricos e culturais.
Mais importante que interpretar as fontes é compreender a verdade revelada, com a ajuda duma filosofia do ser.
No campo da teologia moral também é necessária a recuperação da filosofia, a noção de bem, a concepção de consciência.
No campo da catequese também é necessária a reflexão filosófica. Na catequese se pretende formar a pessoa, com a comunicação lingüística, apresentar a doutrina da Igreja e sua relação com a vida.

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