quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Deus de volta ao centro: um novo movimento litúrgico e a reforma de Bento XVI

Curso online: "Passos para uma reforma litúrgica local": www.cursoscatolicos.com.br
Material apresentado na XXIV Semana de Teologia do ITASA/JF, em 20/09/2011.
Deus de volta ao centro: um novo movimento litúrgico e a reforma de Bento XVI

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Vídeo apresentado: http://www.youtube.com/watch?v=3gwL-2Pm7uU&feature=share

DEUS DE VOLTA AO CENTRO:
UM NOVO MOVIMENTO LITÚRGICO E A REFORMA DE BENTO XVI

            Márcio Carvalho da Silva*

Estamos acostumados a ouvir das pesquisas que o número dos fiéis católicos ora diminui, ora aumenta e que varia conforme as regiões e culturas. Sabemos também que o número real de católicos é impossível de se determinar quando se leva em conta a participação na vida da Igreja. Se o preceito de participar da Missa aos Domingos fosse critério de catolicidade, ficaríamos ainda mais assustados com os números.
Por que a grande maioria dos católicos não participa da Missa como deveria?
Uma resposta simples está na boca do povo: a Missa é chata e desinteressante. Para muitos, ela é sem sentido. Alguns destes católicos de boa vontade se esforçam em procurar uma boa paróquia, um sacerdote que celebre bonito, uma celebração em que se sintam bem.
Diante desse quadro, de quem é a culpa?
O leitor melhor formado, numa resposta apressada, poderia dizer que a culpa é desse católico que ainda não entendeu o sentido da liturgia. Mas não estaria ele procurando entender, e não encontrando quem ensinasse? Mais uma vez, o apressado diria: o ‘povo’ não participa dos encontros de formação, das catequeses litúrgicas, não corre atrás. Ora, a melhor catequese é a liturgia bem celebrada. Ninguém vai procurar aprender aquilo que lhe parece desinteressante. A instrução é posterior à iniciação nos mistérios, como nos ensina a mistagogia dos Santos Padres. A grande confusão na cabeça dos fiéis é reflexo da grande confusão litúrgica e doutrinária que eles presenciam.
Se a culpa é da própria forma com que são conduzidas as celebrações, qual é o remédio?
A grande segurança do católico é que ele faz parte da Igreja de Cristo, que é una, santa, católica e apostólica. Essas notas características da Igreja estão presentes também na liturgia. A celebração do mistério de Deus é regulada pela autoridade da Igreja, que vem de Cristo pelos Apóstolos, que reflete por todo o mundo a unidade da fé que professamos.
Não parece haver caminho mais seguro e acertado para remediar a liturgia: a observância das normas, o esforço por celebrar bela e dignamente os sagrados mistérios. A liturgia é o rosto da Igreja, sua fonte de vida, seu vigor. Salvando a liturgia, a Igreja terá forças para salvar o mundo.

                

               1. Reforma litúrgica?


A Igreja é, desde sempre, sujeita a reformas[1]. Imutável na sua essência, que é o Cristo, a Igreja procura sempre a melhor forma de continuar sua missão e comunicar a salvação aos homens de seu tempo. Em termos de liturgia, a última grande reforma ocorreu no Concílio Vaticano II (1962-1965).
Acontece que nem tudo acontece como previsto ou pedido no papel. O Concílio sofreu de uma má aplicação, não só na liturgia, mas principalmente neste campo. O principal motivo apontado é um falso conceito de liberdade e a ignorância. Formou-se uma mentalidade de que a adaptação é mais importante que a norma, chegando a suprimi-la.
A relativização da norma faz com que ela perca seu sentido, que é manter a unidade da Igreja e garantir o direito de todo fiel à liturgia. Assim se expressou a esse respeito o Santo Padre Bento XVI: “O primeiro modo de favorecer a participação do povo de Deus no rito sagrado é a condigna celebração do mesmo; a arte da celebração é a melhor condição para a participação ativa. Aquela resulta da fiel obediência às normas litúrgicas na sua integridade, pois é precisamente este modo de celebrar que, há dois mil anos, garante a vida de fé de todos os crentes, chamados a viver a celebração enquanto povo de Deus, sacerdócio real, nação santa (cf. 1 Pd 2,4-5.9)”[2].
Um dos pontos fortes do pontificado do Papa Bento XVI é promover o que vem sendo chamado de “reforma da reforma”: retomar o caminho do Concílio Vaticano II e purificar a Igreja e a liturgia das interpretações equivocadas. Esse trabalho já desempenhava antes de chegar ao trono de Pedro, quando ainda era Cardeal Ratzinger: no livro Introdução ao espírito da liturgia, expressou o desejo de que na Igreja aconteça um novo movimento litúrgico, que, de fato, vem tomando forma nos últimos anos.
Bento XVI tem provocado esse novo movimento litúrgico e realizando a reforma da reforma não a toque de decretos, como poderia fazer, mas através do trabalho prudente e do exemplo. Aliás, trabalho prudente foi um dos aspectos pedidos pela Constituição Sacrosanctum Concilium, negligenciado na prática.
A mudança, a reforma, não acontece da noite para o dia. Rumo aos cinquenta anos do Concílio, não o vimos plenamente aplicado. Não será também tão rápida a correção dos abusos e a criação de uma nova mentalidade litúrgica.

      

              2. Passos para uma reforma litúrgica local


As sugestões que aqui são dadas partem do princípio já mencionado que somente a observância das normas litúrgicas poderá manter sua unidade e purificá-la de todo elemento estranho e nocivo. Não propomos nada além do que já é previsto nas normas e rubricas. A novidade é que, na maioria das vezes, estas normas são desconhecidas por aqueles principais responsáveis pela celebração. Muitos celebram segundo “o costume”, sem mesmo olhar os livros litúrgicos. Outros confiam demais em subsídios demasiadamente criativos.
Não precisamos dizer que os protagonistas dessa reforma serão principalmente os que têm mais responsabilidade sobre a liturgia. Como a reforma é prática e será adotada localmente, cabe ao sacerdote que preside a celebração a principal colaboração. Em conjunto estarão os ministros mais próximos, sejam sacerdotes concelebrantes, diáconos, acólitos e outros ministros leigos. Todos estes deverão aderir ao projeto de reforma litúrgica e agir em unidade.

 

                   2.1. Eliminar os erros imediatamente


Esse ponto é urgente e vai depender da situação de cada comunidade. Não será possível abranger todos os erros e abusos graves que necessitam correção imediata. Para identificar esses erros será preciso que se analise minuciosamente, no caso da Missa, a Instrução Geral do Missal Romano (IGMR), suas rubricas e a Instrução Redemptionis Sacramentum (RS), confrontando com a prática litúrgica local.
Algumas práticas particularmente graves podem passar despercebidas a um olhar menos crítico, que pode não ver a questão de fundo da norma. Indicamos alguns erros comuns:
        
2.1.1. O modo da distribuição da Sagrada Comunhão

Antes da norma, o sentido: a Eucaristia é dom e ninguém a toma por si mesmo. É o próprio Cristo que se dá através da Igreja. Na liturgia eucarística, somente o sacerdote age in persona Christi, na pessoa/função de Cristo.
É comum, porém, vermos o sacerdote presidente negligenciar as normas do Missal no que diz respeito à distribuição da Comunhão aos ministros leigos que servem ao altar, particularmente ministros extraordinários e demais leigos quando comungam sob as duas espécies. Isso deixa a impressão que a Sagrada Comunhão é uma comida qualquer, a qual todos têm livre direito e acesso. E se há diferenciação no tratamento entre leigos ministros e não-ministros, cria-se uma falsa valorização/desvalorização entre uns e outros.

2.1.2. Quem está à frente dá o exemplo

Sabemos que há muitos gestos e posturas a se observar na liturgia, todos com muito significado. A assembleia às vezes se acostumou com práticas erradas ou se confunde diante de tantas divergências de informação. Diante disso, é inadmissível que aqueles que estão no altar como concelebrantes, diáconos ou acólitos, ajam em desacordo com o previsto nos ritos no tocante aos gestos e posições. O fiel que está na assembleia, quando em dúvida, vai procurar uma referência em quem está à frente, pois supõe-se que este saiba o que está fazendo.
Se não é possível de imediato corrigir a prática de toda a assembleia, é possível fazer com que os ministros do altar ajam corretamente e deem o exemplo à comunidade.

2.1.3. Eliminar todo elemento não-litúrgico

Alguns elementos que entraram nas liturgias das comunidades parecem inofensivos e outros até agradam a alguns. Purificar a liturgia pode levar tempo, como já dissemos. Muitas práticas já estão tão entranhadas nas pessoas que a sua eliminação poderia causar, no mínimo, estranhamento. Outras, porém, podem ser eliminadas tão facilmente que poucos notariam alguma diferença. Mas, com certeza, a liturgia muito ganharia em sacralidade.
Eis exemplos de algumas práticas que podem ser eliminadas de imediato:
·  Entradas de pessoas e 'coisas';
·  O cantor ou coral cantar o sinal da cruz;
·  Cantar outras músicas no momento do Gloria in excelsis;
·  Cantar no rito da paz.

 

                   2.2. Melhorar pacientemente


Passamos agora àquelas sugestões que podem requerer mais tempo e paciência para surtirem o efeito da reforma, de valorizar a liturgia e celebrá-la dignamente.

2.2.1. Sem comentários

O famoso “comentarista” ou animador é uma figura que já deveria ter desaparecido de nossas liturgias. Sua função já perdeu muito de sua razão de ser.
A Igreja celebrou durante muitos séculos segundo uma única forma, particularmente sob o Missal de São Pio V, do século XVI até o Concílio Vaticano II. Com a reforma, foi elaborado um novo missal em 1970 que ficou conhecido como Missal de Paulo VI, ou “Nova Missa”. Neste missal, que é o atual, previa-se a necessidade de explicar ao povo algumas mudanças em relação à forma de celebrar anterior. Isso seria feito pelo próprio sacerdote ou por outra pessoa. A Instrução Geral do Missal Romano o chama de “comentador” no número 105b: “Incumbido de fazer aos fiéis, se for oportuno, breves explicações e admonições, a fim de os introduzir na celebração e os dispor a compreendê-la melhor". E adverte: "As admonições do comentador devem ser cuidadosamente preparadas e muito sóbrias. No desempenho da sua função, o comentador deve colocar-se em lugar adequado, à frente dos fiéis, mas não no ambão”.
Acontece que há mais de quarenta anos celebramos o novo rito da Missa e todos já estamos acostumados à sua estrutura. A prática mostra que as pessoas se cansam facilmente e prefeririam que não houvessem os tais comentários.

2.2.2. Abaixar o volume

Com os recursos técnicos de sonorização se popularizando justamente no período do Concílio, parece que criou-se uma necessidade de se escutar tudo em alto e bom som. A qualidade do som que é ouvido pela assembleia é comumente medida pela intensidade (volume) do som que sai dos autofalantes.
Os especialistas garantem, porém, que o som alto não garante a boa compreensão e não favorece a atenção, além de ser prejudicial aos ouvidos. O som alto causa uma espécie de estupor nas pessoas, sensação parecida com a que se tem nos shows de música popular. E não é este tipo de sensação que se deve ter na liturgia. A voz baixa estimula a atenção e a contemplação.

2.2.3. Despoluir o visual

É certo que nem todos os templos são tão belos arquitetonicamente como deveriam. Nestes e mesmo nos belos templos houve uma tendência em querer 'melhorar' o ambiente com flores, plantas, enfeites, cartazes e símbolos que são trocados 'de acordo com a celebração'.
Se há necessidade de comunicação visual, do tipo lembretes ou notícias, estes podem ser movidos para um lugar mais adequado, fora do espaço celebrativo. Sabemos que não é possível eliminar totalmente esse tipo de comunicação e a solução não é fazer tudo em forma de avisos no final da celebração. Geraria outro tipo de ruído, dispersando as pessoas do mistério que acabaram de celebrar. Os avisos devem reduzir-se a um mínimo necessário.

2.2.4. Investir na Beleza

A liturgia deve refletir a Beleza que é Deus. A perda do sentido da beleza em nossos tempos está intimamente relacionada com a perda do sentido do sagrado. Tanto a arte quanto a religião apontam para uma transcendência, algo que está além do nosso mundo imperfeito. Para o cristão, o Transcendente é Deus.
Muito da crise na liturgia foi causada por essa perda do sentido da beleza. Nossas celebrações não passam muito do que vivemos no cotidiano: um pouco de música popular, de convívio social, da estética comum do dia-a-dia.
Alguns outros pontos podem ser melhorados com um pouco mais de investimento: as alfaias, vasos sagrados e as vestes. Isso refletirá na percepção das pessoas de que estão num lugar especial, que o que acontece não é algo comum, mas reflexo das realidades celestes. Favorecerá a oração, a contemplação e a piedade.

2.2.5. Silêncio!

A reforma litúrgica do Vaticano II tirou a liturgia de um silêncio extremo, passivo, mas chegou-se ao extremo oposto: confundir participação ativa com ficar falando e cantando o tempo todo.
A liturgia da Missa prevê momentos de silêncio e as normas falam de sua importância: “Também se deve guardar, nos momentos próprios, o silêncio sagrado, como parte da celebração. A natureza deste silêncio depende do momento em que ele é observado no decurso da celebração. Assim, no ato penitencial e a seguir ao convite à oração, o silêncio destina-se ao recolhimento interior; a seguir às leituras ou à homilia, é para uma breve meditação sobre o que se ouviu; depois da Comunhão, favorece a oração interior de louvor e ação de graças. Antes da própria celebração é louvável observar o silêncio na igreja, na sacristia e nos lugares que lhes ficam mais próximos, para que todos se preparem para celebrar devota e dignamente os ritos sagrados.”[3]

2.2.6. Celebrar a Missa, não um tema ou intenção

A CNBB já advertiu sabiamente sobre isso no Diretório da Liturgia: “A comunidade deve celebrar a sua vida na liturgia [...]. Mas deve celebrá-la à luz de Jesus Cristo ressuscitado, vivo, presente e atuante na comunidade, e não à luz de um tema, de uma ideia [...]. Deve celebrar a sua vida, sim, com os problemas que lhe tocam mais de perto; mas à luz da palavra viva, como o único tema... e quando não se penetra profundamente na palavra de Deus, na docilidade do Espírito, facilmente pode-se cair na moralização. [...] Assim, o domingo celebra realmente a vida da comunidade, nos seus diversos coloridos, mergulhada na única vida do Ressuscitado que lhe dá vida”.
Do mesmo modo, as intenções particulares não podem se sobrepor à celebração do Mistério de Cristo. Como a prática das intenções particulares é bastante difundida, o melhor é que se diga antes do início da Missa, por um ministro que não seja o presidente. Importante que se lembre de que não é o fato de uma intenção ser falada ao microfone que faz com que tenha maior eficácia.
A Missa não pode virar palco para promover uma ideia, um evento, uma pessoa. É desconfortante participar de uma Missa em que pouco se fala de Deus e muito de uma pessoa ou outras coisas. A conscientização dos fiéis do verdadeiro sentido da Missa eliminará aos poucos as missas temáticas e as intenções particulares.

2.2.7. Melhorar o canto litúrgico

Chegamos a um dos pontos mais trabalhosos de uma reforma litúrgica local. Sabemos da escassez de músicos e de sua má formação litúrgica, além de suas dificuldades de tempo e recursos para dedicar à Igreja. Todo cuidado e prudência será pouco ao se tratar desse aspecto essencial da liturgia.
A IGMR é mais clara e prática no número 41: “Em igualdade de circunstâncias, dê-se a primazia ao canto gregoriano, como canto próprio da Liturgia romana. De modo nenhum se devem excluir outros gêneros de música sacra, principalmente a polifonia, desde que correspondam ao espírito da ação litúrgica e favoreçam a participação de todos os fiéis. Dado que hoje é cada vez mais frequente o encontro de fiéis de diferentes nacionalidades, convêm que eles saibam cantar em latim pelo menos algumas partes do Ordinário da Missa, sobretudo o símbolo da fé e a oração dominical, nas suas melodias mais fáceis.” Eis o ideal que se deveria buscar: canto gregoriano e polifonia.
Para uma reforma litúrgica prudente e gradual como estamos propondo, deve-se primeiro coibir os abusos já existentes, como cantos não-litúrgicos na sua letra, melodias e ritmos que lembrem o profano, excesso de instrumentos, cantos em momentos inadequados. Os responsáveis pela celebração, naturalmente os sacerdotes, devem ter o cuidado de revisar o repertório de seus grupos de cantores e incentivar sua melhoria.

2.2.8. Presbitério livre

A IGMR tem algumas normas para a disposição do lugar sagrado que merecem nossa atenção. Já dissemos que a poluição visual atrapalha a contemplação do mistério celebrado. O grande número de ministros também pode ter o mesmo efeito negativo.
A disposição dos ministros no presbitério deve favorecer o exercício de cada função. Não é mera ocupação de lugares. Pensando assim, logo percebemos como nossos presbitérios estão cheios de gente “à toa”.
O exemplo mais comum disso é a presença dos ministros extraordinários da Comunhão. O abuso neste campo é objeto de muitas normas, instruções e advertências, por exemplo, a Instrução Inestimabile Donum, da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos.
O ministério extraordinário não pode se tornar ordinário, isto é, comum, corriqueiro, programado. Sua função é distribuir a Sagrada Comunhão quando necessário, não sempre. E se esta é sua função, não faz sentido eles ocuparem o presbitério ou a procissão de entrada, pois só exercerão sua função, se necessário, na distribuição da Sagrada Comunhão.
Acontece que este ministério foi sendo usado erroneamente como uma forma de promover a participação dos leigos. E muitos destes apreciam certo status do ministério, principalmente quando ocupam posições destacadas no presbitério. “Para não gerar confusão, devem-se evitar e remover algumas práticas que há algum tempo foram introduzidas em algumas Igrejas particulares, como por exemplo: — o comungar pelas próprias mãos, como se fossem concelebrantes; [...] — o uso habitual de ministros extraordinários nas Santas Missas, estendendo arbitrariamente o conceito de ‘numerosa participação.’”[4]

2.2.9. Favorecer a piedade Eucarística

Todos que creem com a Igreja que a Eucaristia é a presença real e substancial de Cristo concordam que devemos receber o Corpo e o Sangue de Cristo com reverência e piedade. Esta atitude, com certeza, deve ser mais interior que exterior. Mas como em todo sacramento, o gesto exterior deve expressar a realidade transcendente. Por isso a Igreja emana normas e orientações em matéria de culto e dos sacramentos.
O fiel tem opções que devem ser respeitadas quanto ao modo de comungar, de acordo com sua piedade e consciência. É abuso grave exigir que todos obedeçam um mesmo modo de receber a Comunhão.
A Comunhão de joelhos e na língua é a forma tradicional de receber a Sagrada Eucaristia, pois é a que mais demonstra reverência à Eucaristia. Também é costume de muitos séculos o uso da patena, segurada por um acólito na distribuição da Comunhão. “A bandeja para a Comunhão dos fiéis se deve manter, para evitar o perigo de que caia a hóstia sagrada ou algum fragmento”.[5] Este é o modo adotado pelo Papa Bento XVI: comunhão de joelhos, na boca, com uso de patena. O que é melhor deve ser incentivado.

2.2.10. Incentivar a Reconciliação

Devemos recordar, neste ponto, que liturgia não diz respeito só à Santa Missa, mas a toda celebração sacramental da Igreja. Nesse sentido, recomendamos aqui uma revalorização do Sacramento da Reconciliação que muito bem espiritual fará aos fiéis e repercutirá, inclusive, na participação na Missa.
Algumas normas do Ritual da Penitência são quase sempre negligenciadas pela maioria das paróquias. E isso está na raiz da crise com que passa também esse sacramento.
No que diz respeito ao lugar da celebração, por exemplo: “O sacramento da Penitência celebra-se habitualmente, a não ser por causa justa, na igreja ou oratório. No que respeita ao local da confissão, a Conferência Episcopal estabeleça normas, com a reserva porém de que haja sempre, em lugar patente, locais de confissões munidos de grades fixas entre o penitente e o confessor, e que os fiéis que assim o desejem possam utilizar livremente. Não se ouçam confissões fora do local da confissão, a não ser por causa justa.”[6]
Não é de se estranhar que a retirada dos confessionários ocasionou queda no número de confissões. Também, por tabela, os padres ficaram menos disponíveis para ouvir as confissões, extinguindo-se, em muitos lugares, os amplos horários em que o padre ficava na igreja à disposição dos penitentes.
A simples presença do confessionário já seria, por si, um sinal de que é preciso se reconciliar com Deus e com a Igreja. Melhor ainda se um sacerdote estiver lá, disposto a ouvir e oferecer o perdão sacramental. E que não desanime nos primeiros dias, semanas ou meses. A comunidade pode demorar a aceitar o convite ao confessionário, mas o retorno virá, com certeza.

2.2.11. Acertar a homilia

Uma homilia ruim está entre os fatores que mais desagradam os fiéis, chegando a causar o abandono da Igreja. E como a homilia é tarefa exclusiva do ministro ordenado, ninguém poderá fazer mais pela melhoria das homilias do que ele próprio.
O Santo Padre relembrou, mais de uma vez, a urgência de se melhorar as homilias. O Papa sente, com a inteligência que lhe é própria, que o povo que acorre às celebrações litúrgicas tem fome do alimento sólido da Palavra de Deus. E ele dá algumas indicações muito práticas na sua Exortação Verbum Domini: “Devem-se evitar tanto homilias genéricas e abstratas que ocultam a simplicidade da Palavra de Deus, como inúteis divagações que ameaçam atrair a atenção mais para o pregador do que para o coração da mensagem evangélica. Deve resultar claramente aos fiéis que aquilo que o pregador tem a peito é mostrar Cristo, que deve estar no centro de cada homilia. Por isso, é preciso que os pregadores tenham familiaridade e contato assíduo com o texto sagrado; preparem-se para a homilia na meditação e na oração, a fim de pregarem com convicção e paixão.”[7] E citando São Jerônimo, lembra: “Que as tuas ações não desmintam as tuas palavras, para que não aconteça que, quando tu pregares na igreja, alguém comente no seu íntimo: “Então porque é que tu não ages assim?” (…) No sacerdote de Cristo, devem estar de acordo a mente e a palavra”. [8]
O fiel católico de hoje em dia tem preocupações e indagações que não são as mesmas de algum tempo atrás. Aliás, as preocupações e as mentalidades mudam a cada dia. Os pregadores devem reconhecer e se adaptar a isso. Um modo de atingir essa mentalidade é justamente a contrapor com a solidez da fé, em unidade com a Tradição viva da Igreja. Aquele que vai à Igreja não está buscando combatê-la, mas entendê-la. As dúvidas de fé vêm quando não se ouve a fé viva da Igreja, mas ideias contraditórias disfarçadas de erudição.

2.2.12. Voltar Cristo para o centro

A liturgia é a celebração do Mistério de Cristo e em particular do Mistério pascal. Ciente disso, o Papa tem adotado uma atitude bastante prática nas liturgias que preside para corrigir a disposição das pessoas, que devem se orientar para Deus na liturgia. Ele tem colocado o crucifixo no centro do altar, na sua frente e na frente do povo.
Depois de se tornar papa, Bento XVI tem celebrado somente com a cruz no centro do altar (num arranjo com seis candelabros e a cruz no centro, já chamado de arranjo beneditino, em sua homenagem), e se mostra feliz de que muitos o sigam na sua sugestão de "não avançar com novas transformações, mas simplesmente pôr a cruz no centro do altar, para que esta possa assistir ao mesmo tempo sacerdote e fiéis, para serem orientados, assim, para o Senhor, a Quem nós oramos juntos."[9]

2.2.13. Todos voltados para Deus

Há quem ache que o Concílio Vaticano II modificou a posição do altar e do sacerdote em relação ao povo, proibindo a prática anterior dos altares na parede e da celebração “de costas” para o povo. A questão toda começa com a norma da IGMR, n. 299, que diz: “Onde for possível, o altar principal deve ser construído afastado da parede, de modo a permitir andar em volta dele e celebrar a Missa de frente para o povo.” A expressão “onde for possível” claramente diz não tratar-se de uma obrigação, mas assim foi entendido na prática por muitos padres e bispos.
O mesmo Missal continua a desmentir essa interpretação quando encontramos nele algumas rubricas que dizem que  o sacerdote deve, em alguns momentos, “voltar-se para o povo[10]; isto significa que, se deve voltar-se ao povo, é porque antes não estava. Também é esta orientação espacial “versus Deum” que se tem em conta quando se diz à direita ou à esquerda do altar.
A forma histórica de oferecimento da Missa, observada inclusive pelos ritos orientais, é “ad Orientem”, voltados para o Oriente, que é Cristo, ou “versus Deum”. Litúrgica e teologicamente, o sacerdote voltado para o Altar não dá as costas para o povo, ao contrário, ele volta-se como o primeiro dentre os fiéis para oferecer o Sacrifício a Deus pelo povo.
Deve-se estudar prudentemente a oportunidade de se celebrar ad Orientem, que deve ser acompanhada de catequese. Pode ocorrer também que o espaço físico não permita esta disposição. Nestes casos de impossibilidade, o crucifixo no centro do altar e a disposição do olhar, refletindo a da alma, garantirão a centralidade de Deus no culto.

      

              3. Considerações finais


Na prática, a “reforma da reforma” vem acontecendo nas celebrações pontifícias e conforme indicamos nas sugestões acima. Cabe destacar que a revalorização do silêncio, da beleza, do canto sacro e gregoriano, do Crucifixo no centro do altar, a posição versus Deum, são algumas das contribuições da forma extraordinária da Missa, conhecida como Missa Tridentina. Esta antiga expressão litúrgica foi novamente incentivada pelo Papa Bento XVI, que veio esclarecer a questão em julho de 2007 com um Motu proprio intitulado Summorum Pontificum, reafirmando a validade da Missa Tridentina e liberando sua celebração a pedido dos fiéis sem necessidade de nenhuma autorização episcopal.
Liturgistas favoráveis à reforma de Bento XVI apontam outros aspectos já praticados pelo mesmo e por alguns cardeais e sacerdotes ligados ao movimento. Alguns pequenos gestos do uso antigo podem destacar mais a sacralidade da liturgia, como as genuflexões após a transubstanciação de ambas as espécies, e também após a elevação das mesmas, que haviam sido reduzidas apenas a duas no novo Missal; as orações durante a vestição dos paramentos na sacristia; algumas inclinações nas orações secretas que foram abandonadas. Da parte do povo, algumas partes podem ser retomadas de joelhos, como o ato penitencial e toda a Oração Eucarística, além da Comunhão.
Não se pode, porém, obrigar a nada que não seja lei. Nenhum pároco ou bispo pode exigir qualquer mudança que não seja aprovada pela autoridade competente. As mudanças virão a partir da reflexão sobre a prática e, no tempo certo, virão as normas. O sacerdote não pode impor seu gosto pessoal naquilo que é opcional, nem impedir que as mudanças ocorram dentro do permitido pela atual norma e prática litúrgica.
Bem celebrando, seja sob qualquer forma legítima, se dá glória a Deus e a Igreja colhe os frutos espirituais delas decorrentes.


*    Bacharel em Teologia pelo Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora.
[1]    CONCÍLIO VATICANO II. Lumen Gentium, 8: “...a Igreja, contendo pecadores no seu próprio seio, simultaneamente santa e sempre necessitada de purificação, exercita continuamente a penitência e a renovação.”
[2]    BENTO, PAPA, XVI. Exortação Apostólica Sacramentum Caritatis, 38.
[3]    IGMR 45.
[4]    CÚRIA ROMANA. Instrução Acerca de Algumas Questões Sobre a Colaboração dos Fiéis Leigos no Sagrado Ministério dos Sacerdotes. Vaticano, 1997.
[5]    RS 93.
[6]    CNBB. Ritual da Penitência, 12.
[7]    BENTO, PAPA, XVI. Exortação Apostólica Verbum Domini, 59.
[8]    Idem. Audiência geral, 14 de novembro de 2007.
[9]    RATZINGER, J. Introdução ao espírito da liturgia. Apud OFICIO DAS CELEBRAÇÕES LITÚRGICAS DO SUMO PONTÍFICE. O crucifixo no centro do altar. 17 de novembro de 2009.
[10]  Cf. IGMR 124, 138, 146, 154, 157, 165, 181, 185, 243.

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